Nas ruas de Tegucigalpa, capital de Honduras, sente-se um clima de incerteza, mas também de relativa tranquilidade. Passadas mais de 48 horas desde o fechamento das urnas nas eleições gerais do último domingo, o cenário eleitoral continua acirrado, sem certezas, com múltiplos desdobramentos possíveis.
Até ao momento, a contagem de votos do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) avançou com lentidão surpreendente e sofre quedas recorrentes do sistema, obrigando as autoridades a reconhecer “falhas técnicas na divulgação das atas”. Com 78,6% das atas apuradas, Salvador Nasralla, candidato do Partido Liberal, recentemente se posicionou em primeiro lugarcom 40,36%, superando Nasry Asfura, do Partido Nacional, que ficou em segundo lugar, com 39,55%.
Em terceiro lugar aparece Rixi Moncadacandidata oficialista do Partido Liberdade e Refundação (Libre), com 19,4%. No final da segunda-feira, ela concedeu uma coletiva de imprensa, que voltou a afirmar que se consolidaria uma “nova fraude do bipartidarismo”. Segundo Moncada, uma parte significativa das atas apresentadas tanto pelo Partido Nacional quanto pelo Partido Liberal continha “mais votos do que o devido”.
“Exigiremos, neste prazo de 30 dias antes da recontagem final, que essas atas sejam revisadas. Usaremos todos os recursos legais, porque não temos dúvida alguma sobre a inflação de votos no sistema bipartidário”, afirmou.
Além das irregulares “falhas técnicas na divulgação das atas”, dos cenários acirrados e das denúncias de fraude, soma-se a constante e onipresente interferência dos Estados Unidos. Na última segunda-feira, o ex-presidente de Honduras e um dos principais líderes do Partido Nacional, Juan Orlando Hernándezque cumpriu uma pena de 45 anos após ser condenado por crimes relacionados ao narcotráfico e ao tráfico de armas em prisão de segurança máxima, foi indultado pelo presidente americano Donald Trump.
O indulto ocorreu depois que, na semana passada — em clara interferência nas eleições — Trump pediu votos a Nasry Asfura e garantiu que, caso ele vencesse, perdoaria Juan Orlando Hernández.
Com um longo histórico de intervenções dos Estados Unidos e denúncias de fraude que marcaram as eleições hondurenhas durante doze anos, desde o golpe de Estado de 2009, estas são as primeiras eleições realizadas desde a chegada do Livre ao poder em 2021. O partido cerrou uma alternância histórica entre o Partido Nacional e o Partido Liberal, que dominou o país por toda a sua história. O estágio das eleições determinará quem ocupará o Palácio José Cecilio del Valle nos próximos quatro anos.
O golpe de Estado de 2009
Na madrugada de 28 de junho de 2009, uma operação militar comandada pelo então tenente-coronel René Antonio Hepburn Bueso, à frente de cerca de 200 militares encapuzados, cercou e invadiu a residência presidencial, sequestrando o presidente Manuel Zelaya. Ele foi levado à força para uma base militar ao sul de Tegucigalpa e, posteriormente, “deportado” para a Costa Rica. A operação foi cuidadosamente planejada por diversos fatores de poder do país, embora faltassem apenas alguns meses para o fim do mandato de Zelaya.
O golpe impediu a realização de um plebiscito convocado por Zelaya para o mesmo dia, poucas horas depois. A consulta tinha como objetivo que a população se pronunciasse sobre a instalação de uma “quarta urna” nas eleições gerais previstas para cinco meses mais tarde, em novembro. O plebiscito perguntava se os cidadãos concordavam que, juntamente com a eleição geral — na qual eleitos presidente, deputados e vereadores —, também foi realizada uma votação para convocar uma Assembleia Nacional designada para reformar a Constituição.
Ao contrário dos golpes clássicos do século XX, a derrubada de Zelaya não foi acertada em um governo militar. No entanto, o seu papel foi fundamental para concretizar a operação.
Governo do golpe
Após o golpe, a presidência foi assumida por Roberto Micheletti, membro do Partido Liberal — o mesmo que levou Zelaya à presidência — e presidente do Congresso Nacional.
Em novembro de 2009, foram realizadas eleições gerais em meio a intensos confrontos. Durante a campanha, o governo de Micheletti decretou a suspensão temporária das garantias constitucionais, como a liberdade de expressão e de reunião, e promoveu uma repressão massiva, resultando em graves vítimas de direitos humanos contra manifestantes.
O Partido Liberal foi dividido entre aqueles que apoiavam Zelaya e a cúpula partidária que se uniu ao golpe. Zelaya e o movimento de resistência convocaram ao boicote, e a participação oficial ficou abaixo de 50% do eleitorado, número significativamente menor que nas eleições anteriores.
Apesar das críticas nacionais e internacionais, saiu vencedor o conservador Partido Nacional, com Porfirio Lobo. Os Estados Unidos, então sob a administração Obama, consideraram o governo de Lobo, proporcionando importante apoio internacional.


Resistência popular e governos da ‘narcoditadura’
Em 2011, vários grupos que ficaram conhecidos como “Frente Amplo de Resistência Popular” — formado por ex-militantes do Partido Liberal, movimentos sociais e setores da esquerda — realizaram um novo partido chamado Liberdade e Refundação (LIBRE), liderado por Manuel Zelaya e sua esposa Xiomara Castro.
O objetivo do LIBRE era romper o bipartidarismo tradicional entre o Partido Nacional e o Partido Liberal, que governava o país desde sempre.
A primeira participação do LIBRE nas eleições foi em 2013, com Xiomara Castro como candidata. A principal disputa foi contra Juan Orlando Hernández, do Partido Nacional, que na época foi acusado de se apropriar de 360 milhões de dólares do Fundo de Desenvolvimento Departamental, usados para financiar a campanha de seu partido.
Após uma eleição acirrada, marcada por denúncias de fraude e compra massiva de votos pelo Partido Nacional, o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) declarou vencedor Hernándezdeixando Xiomara Castro em segundo lugar. Washington obteve imediatamente a vitória de Hernández, invalidando qualquer contestação.
A presidência de Hernández consolidou o narcotráfico no país. A interna foi militarizada, com soldados nas ruas e aumento da repressão. Durante os seus mandatos, Hernández estreitou as relações com Washington, recebendo mais de 50 milhões de dólares para a suposta “guerra contra as drogas”.
A fraude institucionalizada
As eleições de 2017 ocorreram em meio a forte controvérsia. Apesar de ter proibido a reeleição presidencial, Hernández conseguiu candidatar-se novamente por decisão judicial.
Ele contou com amplo apoio da mídia e dos setores empresariais, mesmo sendo acusado de quebrar a regra que justificou o golpe de 2009 contra Zelaya.
No dia da eleição, um relatório inicial do TSE, divulgado com atraso, mostrou Salvador Nasralla, da Aliança de Oposição, com vantagem de quase cinco pontos, com 57,2% das urnas apuradas.
No entanto, a suspensão foi interrompida por mais de 24 horas. Quando retomada, a tendência se inverteu inexplicavelmente, favorecendo constantemente Hernández. Vinte e um dia depois, o TSE declarou vencedor por margem estreita de 1,53%. Apesar das irregularidades documentadas internacionalmente, o Departamento de Estado felicitou Hernández, tentando invalidar qualquer questionamento.
A realidade popular foi massiva. Grandes protestos se espalharam pelo país, e o governo do Partido Nacional respondeu com violência, deixando pelo menos 17 mortos.
A chegada do Livre ao poder
Nas eleições de 2021, o Partido Nacional atravessa crise política e institucional. As manifestações contra seu governo se multiplicavam, enquanto dirigentes eram acusados de vínculos com o narcotráfico.
Ao contrário de pleitos anteriores, a eleição transcorreu com relativa normalidade. Com alta participação, próxima a 69%, Xiomara Castro, do Libre, venceu com 51,12%, superando Nasry “Tito” Asfura. Assim, encerraram-se doze anos de governo do conservador Partido Nacional.
Quatro anos depois, o bipartidarismo tradicional parece retornar ao poder, enquanto o indulto de Trump e a saída da prisão de Orlando Hernández projetam novamente sua sombra sobre a política hondurenha.