Com trabalhadores em greve, Correios anunciam restrição com fechamento de mil ‘agências deficitárias’: ‘Nada disso garante modernização’ – Brasil de Fato

Com trabalhadores em greve, Correios anunciam restrição com fechamento de mil ‘agências deficitárias’: ‘Nada disso garante modernização’ – Brasil de Fato


UM crise nos Correios ganhou um novo capítulo nesta segunda-feira (29), com o anúncio de um plano de reestruturação da estatal. Em meio a uma greve nacional da categoria, a direção da empresa confirmou que pretende fechar mil agências e abrir um Programa de Demissão Voluntária (PDV) com meta de desligamento até 15 mil trabalhadores, o que representa quase um quinto da força de trabalho atual. A medida, apresentada como solução para a fragilidade financeira do estatal, foi recebida com indignação por carteiros e entidades representativas.

“Falam em modernização, mas o que a gente vê é fechamento de agência e corte de pessoal. Nada disso garante que o serviço vai melhorar”, afirma Suzy Cristiny, trabalhadora dos Correios e presidente do sindicato da categoria no Acre. “É um plano que esvazia os Correios por dentro. Um triste episódio do desmonte”, completa.

A proposta da empresa chega em meio à greve iniciada pela categoria no último dia 16. Após semanas de mediação, houve uma audiência de conciliação nesta segunda pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST)cujo resultado não foi divulgado até o início da noite. O julgamento do dissídio coletivo está previsto para esta terça-feira (30).

O plano de reestruturação foi detalhado pelo presidente da estatal, Emmanoel Rondon, durante coletivamente em Brasília. Segundo ele, a coleta de R$ 12 bilhões em crédito junto a cinco grandes bancos, com avaliação do Tesouro Nacional, é essencial para garantir a liquidez e evitar o colapso operacional da empresa. O valor deve ser utilizado para quitar dívidas em atraso e dar fôlego ao fluxo de caixa.

Outras frentes do plano incluem:

  • Fechamento de mil agências exceto “deficitárias”;
  • Demissão voluntária para até 15 mil funcionárioscom economia anual estimada de R$ 2,1 bilhões;
  • Venda de imóveis não operacionaisque pode gerar até R$ 1,5 bilhão;
  • Revisão do plano de saúde Postal Saúdepara cortar R$ 700 milhões anuais;
  • Investimentos futuros de R$ 4,4 bilhões em automação, tecnologia da informação, e frota, prevista para o período de 2027 a 2030.

“O crédito nos permite interromper a espiral negativa herdada, recuperar a capacidade operacional da empresa e avançar com segurança na reestruturação”, disse Rondon. Mas, segundo ele, o valor captado agora pode não ser suficiente: os Correios projetam necessidade adicional de R$ 8 bilhões em 2026, ainda sem definição de origem.

O julgamento será nesta terça (30)

Enquanto a direção após a reestruturação, os trabalhadores seguem em greve. Após rejeitarem a proposta de Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), sindicatos pedem:

  • Reposição da inflação nas variações;
  • Reedição do ACT anterior;
  • Aporte federal para garantir a operação do estado.

Pará o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios do Rio de Janeiro, Marcos Sant’Aguidaa proposta da empresa nega direitos e consolida o sucateamento iniciado no governo anterior. “A maioria esmagadora rejeitou o acordo porque ele não prevê previsões salariais. É um direito básico, garantido até pela substituição do próprio TST”, afirmou.

Na tentativa de evitar o agravamento da paralisação, o presidente do TST determinou, liminarmente, a manutenção de 80% do efetivo na operação, sob pena de multa de R$ 100 mil por dia aos sindicatos. Mas a mobilização cresceu desde o dia 23, quando os sindicatos intensificaram a adesão.

“Não estamos sendo ouvidos”

Na base dos Correios, o clima é de frustração. Para Wilton Domingos, que atua no interior do Mato Grosso do Sul e preside o sindicado dos carteiros no estado, o plano acentuado é uma lógica de esvaziamento. “Falam em crescimento, mas estão cortando quem está lá na ponta. É como se continuasse a mesma cartilha de anos atrás: encolhimento, precarização, e agora querem maquiar isso com a palavra ‘reestruturação'”, afirma.

Segundo ele, o modelo de operação dos Correios ainda exige força de trabalho humano: “Só 20% da empresa é automaticamente. O restante é braçal, depende de gente. E estão propondo cortar justamente onde não dá pra cortar. Como crescer sem contratar ninguém?”

Wilton também critica a falta de diálogo com os trabalhadores. “Quem está na linha de frente não foi ouvido. E a gente quer recuperar contratos, melhorar os prazos, investir. Mas isso exige gente, não corte.”

Apesar do discurso oficial de modernização e sustentabilidade, os trabalhadores ouviram apontar que o plano dá continuidade ao desmonte da empresa, abrindo espaço para uma eventual abertura de capital ou parceria público-privada no futuro.

“Tudo leva a crer que o objetivo é maquiar a empresa para entregar uma parte dela. Falam em tornar os Correios uma S/A, abrir capital… E a gente sabe o que isso significa”, diz Suzy. “Estão querendo vender um ativo estratégico do Estado. E tudo isso sem respeitar o papel social que os Correios têm, de garantir integração, soberania e serviço público onde ninguém mais chega.”

Entenda como os Correios chegaram à crise

A crise financeira dos Correios não começou em 2025, tampouco se explica apenas por ineficiência. A reportagem faz Brasil de Fato analisou os balanços financeiros da empresa nos últimos 25 anos e constatou que, em 19 deles, o estado registrado lucro, mesmo sendo responsável por uma missão constitucional da qual não pode abrir mão: a universalização do serviço postal, presente em 5.570 municípios brasileiros.

“A garantia do atendimento dos Correios a toda a população também fica prejudicada no momento em que esse plano também prevê o fechamento de agências. Ou seja, tudo aquilo que os trabalhadores e trabalhadoras dos Correios são contra, infelizmente está sendo elaborado e massificado nesse novo plano”, aponta afirma Suzy Cristiny.

A universalização impõe um custo alto. Em milhares de cidades pequenas e regiões remotas, a operação dos Correios é deficitária, mas mantida por obrigações legais. Ainda assim, os recursos gerados nos anos lucrativos não foram reinvestidos na empresa, nem na recomposição do quadro funcional. A estatal sofreu com contingenciamentos sucessivos e ficou mais de uma década sem realizar concursos públicos, mesmo antes da contratação de milhares de servidores. Entre 2011 e 2023, o número de trabalhadores encolheu quase pela metade.

Além de operador logístico do setor postal, os Correios cumprem uma função estratégica de Estado. A empresa entrega urnas eletrônicas, livros didáticos, documentos oficiais e atua em emergências – como enchentes ou pandemias – garantindo o atendimento a populações isoladas. Também é parceira de programas sociais com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) como o Bolsa Família. São atividades que não interessam ao setor privado, mas que permanecem sob responsabilidade da empresa pública.

Nos últimos anos, a perda de contratos com entes públicos também impactou diretamente nas receitas. Um dos golpes mais fortes veio do setor de remessas internacionais. Em 2023, o governo federal criou o programa Remessa Conforme, alterando a lógica de funcionamento do comércio de pequena porta entre países. A medida atrapalha o papel dos Correios para permitir que empresas privadas operem diretamente a logística de mercadorias estrangeiras no Brasil. Além disso, a mudança na regulamentação aduaneira passou a incluir frete e seguro no cálculo do imposto de importação, elevando a tributação e afastando parte do fluxo que antes passava pela estatal.

Segundo dados internos da empresa, os Correios detinham quase 100% do mercado de pequenas encomendas internacionais em 2022. Em apenas um ano, essa fatia caiu para cerca de 20%. A perda de receita foi imediata, e se somou à queda no volume de cartas e telegramas, que já vinha em declínio há mais de uma década.


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