Assistindo à estreia de Matheus Cunha pelo Man United em seu primeiro clube de futsal no Brasil: ‘Ele parecia em casa, relaxado’

Assistindo à estreia de Matheus Cunha pelo Man United em seu primeiro clube de futsal no Brasil: ‘Ele parecia em casa, relaxado’


É domingo de manhã em Recife, a maior cidade do Nordeste do Brasil, e o bairro de Paramirim ainda está meio adormecido.

As estradas, isoladas para passeios de bicicleta nos fins de semana, estão vazias. Os vendedores ambulantes ainda não se instalaram. Alguns casais de idosos dão voltas no Parque da Jaqueira, mas apenas em câmera lenta. Não há urgência, não há sensação de que algo aconteça em breve.

Exceto, isto é, por um pequeno lugar. Do lado de fora da escola primária Santa Luiza, atrás de um portão de ferro azul, há movimento e risadas. Meninos com kits de treinamento azuis se reúnem em bolsões de sombra e trocam piadas. Os carros param no pátio; alguém descarrega uma televisão na parte de trás de um deles. Tem um cachorro, uma coisinha branca e fofa chamada Joca.

No centro de tudo, fazendo malabarismos com telefonemas e cumprimentos com os jovens, está um homem com um sorriso megawatt.


Barão Xavier cativa no CT Barão (Jack Lang/O Atlético)

Seu nome é Barão Xavier. A quadra de futsal ao lado do pátio da escola é a sede do trabalho de sua vida, o CT Barão, academia de futebol independente que ele fundou há 16 anos. Chamá-la de uma história de sucesso local seria subestimar: vários jogadores se tornaram profissionais depois de começarem aqui, incluindo o meio-campista internacional português Otavio e Nino, medalhista de ouro olímpico pela seleção brasileira Sub-23.

O ex-aluno mais famoso, entretanto? Será Matheus Cunha, titular da seleção principal do Brasil e, há 11 semanas, jogador do Manchester United. Em mais ou menos uma hora, ele fará sua estreia pelo seu novo time contra o Arsenal. Para marcar a ocasião, Xavier organizou uma festa de acompanhamento. Daí a televisão. Daí o burburinho da antecipação.


Cunha cresceu em João Pessoa, uma cidade a duas horas do litoral. Ele começou a jogar futebol com o pai na praça da cidade e depois se juntou ao time local de futsal. Isso o colocou no radar de Xavier, que trabalhava como olheiro do Santa Cruz, um dos três grandes times de Pernambuco.

Quando Xavier saiu de Santa Cruz para montar seu próprio projeto, procurou os pais de Cunha – Carmelo, professor, e Luziana, recepcionista de hotel – e inscreveu o jovem Matheus. Ele imediatamente soube que tinha um talento em mãos. “Cognitivamente, ele estava muito à frente dos outros”, disse Xavier O Atlético no início deste ano. “Ele tinha dois pés e era um líder.”

São cerca de 150 crianças cadastradas no CT Barão. Xavier os treina do nível sub-7 ao sub-19. A rotina normal é de cinco treinos semanais por faixa etária – dois em quadra, três em campo ao ar livre que é igual a pântano e praia – e um jogo no fim de semana.

Cunha só treinava duas vezes por semana. Seus pais não queriam tirá-lo da escola em sua cidade natal. “Ele costumava viajar de um lado para outro, de um lado para o outro”, diz Xavier, acomodando-se em uma cadeira de plástico branca antes do início do jogo.

Ele é acompanhado por seis de seus jogadores – muitos outros entrarão no intervalo, chegando em pares e em duplas, arrastando-se sobre o concreto verde-azulado – e por diversos membros do clã Xavier, todos usando kits de treinamento coloridos. Xavier tem quatro filhas. Três deles são professores de educação física qualificados e treinadores do CT Barão. Sua esposa trabalha na escola vizinha e também contribui. É a definição de um caso de família. Toda a operação exala boas vibrações; o sol abafado de Recife não é a única fonte de calor no ambiente.


Jogadores do CT Barão se reúnem para assistir a um ex-jogador famoso (Jack Lang/O Atlético)

Cunha tinha nove anos quando chegou aqui. Ele só partiu para o Coritiba, clube histórico do Sul do Brasil, aos 14 anos. À primeira vista, parece um caminho inusitado para o futebol profissional. Xavier, porém, acredita que os jovens podem beneficiar de operar ligeiramente fora do sistema.

“Quando você trabalha com responsabilidade, os jogadores podem acabar se desenvolvendo melhor do que nos grandes clubes”, diz ele. “Os grandes clubes podem limitar os jovens; tentamos ampliar seus horizontes. Eles jogam futsal e futebol de 11 o tempo todo. Eles se acostumam a jogar em qualquer tipo de superfície. Campos ruins, arremessos bons… eles conseguem lidar com isso.”

Há também um aspecto social. Clubes como o CT Barão desenvolvem um sentido de comunidade e cidadania. As crianças das comunidades mais pobres não pagam para treinar aqui. Xavier e sua família fazem muito trabalho de extensão, fornecendo cestas básicas para hospitais, escolas e grupos de favelas. Os jovens em academias brilhantes não passam por isso.

Principalmente, porém, é uma questão de paciência. “Não estamos com pressa”, diz ele. “Não há obrigação de ganharmos troféus. O que pedimos é a atitude certa, dentro e fora do campo. Pode haver alguma pressão das famílias, mas não é a mesma que experimentariam num clube, com adeptos. Significa que quando os meus jogadores se juntam a uma equipa maior, eles estão mais maduros, mais preparados.”

Foi o que aconteceu com Cunha, que aparece na tela durante as primeiras trocas em Old Trafford. Fica claro que ele é o ponto central nominal de um ataque fluido de três homens para o United – ou simplesmente “Manchester”, como muitos comentaristas brasileiros ainda os chamam. Não é, diz Xavier, o seu melhor papel. “Mas ele consegue, ele é inteligente o suficiente. Ele vai se ajustar.”

As crianças oferecem suas previsões. Todos prontos para uma vitória em casa. A confiança deles é rapidamente prejudicada pelo gol inaugural de Riccardo Calafiori, que acenou para o gol após uma fraca tentativa de soco de Altay Bayindir. Há, no entanto, alguma simpatia por parte de Gabriel Noah, guarda-redes da equipa sub-13. “No Brasil, isso com certeza seria considerado falta”, diz ele, assistindo ao replay.

Depois de meia hora, há uma leve sensação de frustração. Cunha tem sido bem comandado pela defesa do Arsenal. Antes do intervalo, porém, ele ganha vida. Primeiro vem uma corrida solo e um tiro – “Ele sempre foi assim, muito direto”, diz Xavier – e um telêmetro à distância. Quando David Raya se abaixa para acertar o remate inteligente de pé esquerdo de Cunha, alguns garotos estão com a cabeça entre as mãos.

“Ele está começando a lutar agora”, diz Xavier. “Isso vai acontecer.”

O apito do intervalo soa. Um dos meninos mais novos, Zé Miguel, aproxima-se de Xavier. Seus pais claramente disseram a ele que há um convidado especial chegando, mas ele acha que é alguém muito mais emocionante do que ele. O Atlético. “Matheus Cunha está aqui?” ele pergunta. Xavier balança a cabeça, pesaroso. “Como estaria Matheus Cunha aqui se você está assistindo ele na TV?”


Cunha chega perto de Old Trafford (Paul Ellis/AFP via Getty Images)

Para ser justo com o pequeno Zé, Cunha tem sido um visitante regular nos últimos anos. Ele aparece quando está na área, distribui algumas chuteiras velhas e joga um pouco de cinco. A visita mais recente foi em junho e terminou com uma conversa estimulante que claramente ficou com as crianças.

“Ele nos disse para continuarmos acreditando nos nossos sonhos, para continuarmos treinando forte”, diz Lucas Rodrigues, um dos sub-15. Ele é uma inspiração para todos nós. Todos aqui o admiram. Você vê onde ele está agora e não consegue evitar o desejo de chegar lá também.”

Há entusiasmo com a mudança para o Manchester United. “Eles ainda são muito importantes aqui”, diz Xavier. “Você vê camisas do United em todo o Brasil.”

O jogador sub-12 Davi Luca concorda. “É um bom clube para ele”, diz ele, “Eles têm mais visibilidade (do que os Lobos) aqui no Brasil. Estou feliz em vê-lo neste nível. Ele foi bem no primeiro tempo. Gostaria de vê-lo tentar mais alguns dribles, mas é um bom começo.”


No início do segundo tempo, Xavier relembra um torneio de futsal sub-11 em 2009. Aconteceu na Suíça. Chegar lá exigiu um enorme esforço de arrecadação de fundos, mas lá estavam eles, CT Barão, competindo com jogadores como o Bayern de Munique e – sim – o Manchester United.

“Nossos filhos viajavam com mochilas e todos esses jogadores dos grandes times chegavam com aquelas malas de alumínio”, ri Xavier. “Os meninos perceberam isso. Mas quando os jogos começaram, viram que podiam competir.”

Essa foi a primeira vez que Cunha saiu do Brasil. Um ano depois, o CT Barão voltou à Suíça para a edição de 2010. Cunha foi eleito o melhor jogador da competição e levou para casa como prêmio um relógio.

Cunha foi o fulcro criativo da equipa de Xavier, “o tipo que fez a equipa passar da defesa ao ataque”.

Depois de um início de segundo tempo sonolento em Old Trafford, a chegada de Benjamin Sesko e a transferência de Cunha para uma posição mais recuada provocam uma nova onda de interesse.

“Quando ele joga fundo, ele pode alimentar o time”, diz Xavier, que desmaia quando Cunha passa a bola por cima de seu marcador para iniciar uma jogada do United. “Olha esse movimento! Ele é tão criativo. Isso é futsal, dá a você aquela velocidade de pensamento.”

Solicitado a expandir o assunto, Xavier recita um sermão. “Eles treinam em espaços reduzidos na Europa, mas se você evolui jogando futsal você sai na frente”, afirma. “Você está acostumado com o ritmo: tocar, passar, mover. É criação de hábito. Chamamos isso de controle orientado: você recebe a bola de uma forma que permite fazer algo com seu próximo toque. As crianças aqui sempre cresceram nisso.

“As crianças que jogam futsal sabem como fechar a linha de passe, como criar sobrecargas, como defender quando estão em menor número. Você está tocando a bola constantemente, então sua relação com ela é mais refinada. Você não consegue isso jogando em campo cheio. É a maneira certa de treinar jovens jogadores, na minha opinião.”

A partida chega ao fim. “Vamos, Cunha”, sussurra um dos meninos, mas o United não consegue furar a defesa do Arsenal. Não haverá gol, nem momento de crescendo para o brasileiro.

Ainda assim, parece um começo promissor. “Ele se saiu bem”, diz Noah, o jovem goleiro. “Acho que ele será um sucesso no Manchester United e espero ganhar alguns troféus lá.”

Xavier ecoa essa visão. “Ele jogou bem”, diz ele. “Você não saberia que era a estreia dele. Ele parecia em casa, relaxado.”

E com isso a festa acabou. Um grupo de garotos começa a chutar um chinelo extra, um jogo que instantaneamente se transforma em carnificina. Xavier e suas filhas arrumam tudo rapidamente; há uma partida de sub-19 para se preparar no final da tarde. Você tem a impressão de que eles estão em constante movimento.

O próprio Xavier é uma força da natureza no cenário do futebol local, o tipo de figura que qualquer pai seria abençoado em encontrar. Dá para entender por que a mensagem de Cunha aos jovens jogadores em junho incluía a instrução de ouvir o “tio Barão”. E por que a ideia de que um dia eles poderiam seguir os passos do atacante não é tão absurda quanto seria se tivessem um treinador diferente.

“Temos que acreditar nos nossos sonhos”, afirma Davi Luca, jogador sub-12. “Saber que Matheus Cunha jogou nesse time… me faz pensar que também posso chegar lá.”

(Principais fotos: Getty Images, Jack Lang/O Atlético; design: Dan Goldfarb)


Previous Article

Man Utd 0-3 Lyon: Humilhado pelo Lyon - mas lições importantes aprendidas

Next Article

Vídeo mostra militares dos EUA apreendendo petroleiro na costa da Venezuela

Write a Comment

Leave a Comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Subscribe to our Newsletter

Subscribe to our email newsletter to get the latest posts delivered right to your email.
Pure inspiration, zero spam ✨